Convenção 190

Artigo de opinião: A violência e o assédio no trabalho

Práticas são inaceitáveis moralmente e ameaçam a igualdade de oportunidades profissionais

Notícias | 27 de Março de 2023
Por Vinícius Pinheiro *

A maioria de nós conhece, ao menos, um caso de alguém que sofreu assédio ou violência no trabalho. Longe de ser um episódio isolado, trata-se de um fenômeno generalizado em todo mundo, cuja perpetuação encontra aliados no silêncio e na inação.

Uma pesquisa global realizada pela OIT, em parceria com a fundação Lloyd's Register e o Instituto Gallup, revelou que uma em cada cinco pessoas empregadas já sofreu algum tipo de violência ou assédio - seja físico, psicológico ou sexual – no ambiente de trabalho, em algum momento de sua vida profissional. Isso significa 743 milhões de homens e mulheres em todo o mundo.

A violência e o assédio no trabalho são recorrentes e persistentes: mais de três em cada cinco vítimas disseram ter passado por essas violações múltiplas vezes, e, para a maioria, o mais recente incidente ocorreu nos últimos cinco anos.

Nesse cenário, falar sobre experiências pessoais de violência e assédio ainda é um desafio. Segundo a pesquisa, pouco mais da metade (54,4%) das vítimas compartilharam sua experiência com alguém. Elas se mostraram mais propensas a contar a amigos ou parentes, do que a utilizar canais informais ou formais de denúncia.

Mais do que reconhecer a magnitude e a frequência dessas violações de direitos é preciso entender as principais barreiras que impedem as pessoas de denunciá-las e as razões para essa prática ainda ser tão frequente. Uma delas é o medo de represálias ou da denúncia não ser considerada. Muitas pessoas temem que o perpetrante não seja punido ou que haja um risco para sua reputação e esses receios são os motivos mais comuns que desencorajaram as denúncias.

No Brasil, a situação não é diferente. A mais recente edição da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE estima que, em 2019, 27,6 milhões de pessoas de 18 anos ou mais sofreram violência psicológica nos 12 meses anteriores à entrevista, ou seja, 17,4% da população. Desse total, 5 milhões de pessoas informaram ter sofrido violência psicológica no ambiente de trabalho, o correspondente a 18,4% das respostas gerais.

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, em 2022, foram registrados, na Justiça do Trabalho, 77,5 mil novos processos por assédio moral e 4,5 mil processos por assédio sexual.

A violência e o assédio são inaceitáveis moralmente e ameaçam a igualdade de oportunidades profissionais. São atitudes incompatíveis com o trabalho decente e têm impacto direto nas relações no ambiente de trabalho, na reputação das empresas e na produtividade do trabalho.

Certamente existe uma dinâmica de gênero relacionada à violência e ao assédio, gerando um impacto desproporcional sobre as mulheres e outros grupos que já sofrem discriminação como a população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Esta realidade contribui para a diferença que vemos hoje entre as condições e oportunidades de trabalho para homens e mulheres.

Entre as medidas anunciadas pelo governo no Dia Internacional das Mulheres está o envio ao Congresso Nacional de mensagem de ratificação da Convenção 190 da OIT sobre violência e assédio no trabalho. A ratificação deste tratado internacional pelo Brasil poderá se traduzir em ambientes laborais mais dignos, saudáveis e produtivos, com maior participação da mulher no mercado de trabalho.

A ratificação da Convenção 190 pode contribuir para tornar visível o dissimulado e para a construção de culturas corporativas e laborais de inadmissibilidade da violência e do assédio em suas várias formas, assim como seus danos físicos, psicológicos, sexuais e econômicos.

Este tratado internacional da OIT define pela primeira vez o conceito de violência e assédio no mundo do trabalho e, dentre outros temas, indica quais medidas devem ser tomadas para prevenir e lidar com essas violações.

A Convenção 190 já foi ratificada por 25 países, aplica-se aos setores público e privado, incluindo a economia informal, e engloba todas as pessoas do mundo do trabalho, independentemente da sua situação contratual.

Ela define o escopo das possíveis vítimas, que podem incluir pessoas empregadas, terceirizadas ou autônomas, clientes e provedores, trabalhadoras domésticas, pessoas em treinamento, estágio ou trabalho voluntário, e mesmo aquelas que estejam participando de entrevistas, procurando emprego ou que tenham se desligado da empresa.

Reconhecendo que a violência não ocorre de maneira homogênea, a Convenção identifica setores e ocupações especificas que merecem atenção redobrada, tais como saúde, educação, hospitalidade, serviços sociais, transporte, artes e entretenimento e trabalho doméstico.

Ela está calcada em uma abordagem inclusiva e integrada para prevenir e eliminar a violência e o assédio, por meio do diálogo social com representantes de trabalhadores e de empregadores. Esta abordagem permite a elaboração de medidas eficazes de prevenção e proteção, fiscalização e restituição, orientação, treinamento e sensibilização sobre o tema.

A Convenção também desafia a relegação da violência doméstica como um tema exclusivo da esfera privada. Ao reconhecer a gravidade desta violação e seus efeitos colaterais negativos para o mundo do trabalho, especialmente em relação à saúde e segurança, a Convenção salienta a contribuição positiva que governos, organizações de empregadores e de trabalhadores podem ter para interromper o ciclo de violência.

Ela sugere que governos deve adotar leis e regulamentos determinando a obrigatoriedade de adoção de políticas de tolerância zero para a violência e assédio no âmbito das empresas; assim como de canais de comunicação, denúncia e investigação, incluindo proteção às vítimas.

O Brasil tem diante de si a oportunidade histórica de ratificar a Convenção 190 da OIT e, assim, adotar uma medida concreta rumo à construção de um mundo do trabalho mais seguro e produtivo, com igualdade de gênero e justiça social.


(*) Diretor do Escritório da OIT para o Brasil


Publicado no jornal Valor Econômico em 27 de março de 2023: http://glo.bo/40i1fOb