Trabalhador resgatado de condição análoga à escravidão reencontra formadores do projeto Ação Integrada

Hoje estudante de Engenharia Civil, Rafael Ferreira da Silva afirmou ter aprendido que a felicidade é possível após participar da iniciativa apoiada pela OIT.

Notícias | 21 de Novembro de 2016
© Rafael e os profissionais do Ação Integrada compartilharam lembranças durante o reencontro (Foto: Marcio Camilo/Forest Comunicação).
Trabalhador autônomo e estudante de Engenharia Civil, Rafael Ferreira da Silva, de 25 anos, refez sua vida após ser resgatado do trabalho forçado em uma fazenda em Jauru, no interior de Mato Grosso, em 2008. O jovem foi beneficiário do Ação Integrada, projeto que oferece formações profissionais a pessoas que estão em situação de risco ou que foram resgatadas de condições análogas à escravidão. Passados oito anos desde a experiência, Rafael reencontrou a equipe de apoio e formação profissional que o acolheu na época.

O momento – marcado por emoção, risadas e agradecimentos de ambas as partes – aconteceu no dia 3 de novembro, na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso (SRTE-MT), em Cuiabá. Os profissionais do Ação Integrada ficaram impressionados com o crescimento pessoal de Rafael, que tinha 17 anos quando foi resgatado de uma situação de exploração extrema. “A minha maior satisfação é reencontrar esses trabalhadores e ver que eles estão bem, empoderados e convencidos de que são capazes de vencer na vida. Esta sensação não tem preço”, destacou o coordenador executivo do Ação Integrada em Mato Grosso, Pablo de Oliveira.

Rafael contou à equipe do projeto como teve uma vida agitada desde o resgate realizado pela equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Nesse tempo ele trabalhou como operador de máquinas agrícolas, em serviços gerais, num frigorífico, foi pintor e corretor de imóveis, entrou na faculdade, se casou e mudou sua história.

Neste momento Rafael está sem emprego fixo, como milhares de brasileiros atingidos pela crise política e econômica. No entanto, ele não fica parado e se juntou à esposa para vender salgados no bairro do Cristo Rei, em Várzea Grande (MT), onde vivem atualmente. “A gente levanta por volta das 4h da manhã. Ela faz os salgados, eu os coloco num carrinho de feira e saio vendendo. Por volta das 11h dou uma parada para o almoço e retorno ao trabalho por volta das 15h, quando o sol começa a baixar, e só vou parar lá pelas 18h”, detalha Rafael.

A história de vida do jovem sensibilizou Ilson César Pereira Branco, mediador de conflitos trabalhistas na SRTE-MT e parceiro do Ação Integrada. O profissional, que integrava a equipe de execução do projeto na época da participação de Rafael, expressou o impacto que sentiu ao revê-lo: “É emocionante, pois este trabalhador foi resgatado de uma vida sem esperança nenhuma e trazido para a formação em Cuiabá. Agora encontro um moço diferente, com uma postura de cidadão, responsável, fazendo uma faculdade e numa atividade que gera renda”.

Rafael afirma ser eternamente grato pelo projeto: “Vocês me tiraram do meio do mato e me apresentaram o mundo, me deram uma perspectiva de vida e eu passei a acreditar que era possível, sim, ser feliz”.

Levar conhecimento para os trabalhadores vulneráveis e apontar a possibilidade de melhoria de vida a partir de uma visão abrangente é um dos objetivos do Ação Integrada, segundo Ilson. O funcionário da SRTE-MT lembrou que “o mundo é feito de histórias” e a divulgação dos casos de violação de direitos e superação pelas vítimas através de programas de capacitação profissional é relevante para consolidar uma agenda positiva sobre o tema.

De acordo com Rafael, a qualificação o ajudou a “tirar a venda dos olhos” e o levou a entender o que é a escravidão contemporânea, um conceito ainda pouco debatido pela sociedade.

Também participou do reencontro a secretária adjunta de Cidadania do Governo de Mato Grosso, que na época era coordenadora executiva do Ação Integrada, Alda Teresa Attilio. Ela disse que sua vida também foi transformada depois de passar pelo Ação Integrada e presenciar tantos trabalhadores em situação degradante. “Na verdade, Rafael, a gente aprende mais com vocês do que o contrário. Eu melhorei como pessoa, mãe e cidadã. Percebi que minhas dificuldades não são nada diante do que vocês já passaram na vida”, salientou Alda.

Saiba mais sobre a história de Rafael.

Ação Integrada


Em 2016 o projeto está realizando duas novas formações profissionais. A primeira é um curso de mecânica agrícola com 15 jovens aprendizes que estão sendo qualificados na fazenda Bom Futuro, em Campo Verde (MT). A fazenda é de propriedade do Grupo Bom Futuro, parceiro empresarial do Ação Integrada do setor agropecuário.

Já a segunda formação deste ano está capacitando 25 egressos do trabalho forçado como operadores de máquinas, num curso que recebe o apoio da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFTM).

Desde o seu surgimento em 2009, o Ação Integrada beneficiou 700 participantes, além de realizar contato com 2.057 pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão. Na abordagem, os trabalhadores são entrevistados e as informações são utilizadas para estruturar as iniciativas de apoio multidisciplinar e integral, tanto na área educacional como na formação profissional. As respostas também servem para referenciar as políticas públicas de assistência social, educação, trabalho, emprego e renda. Além disso, os egressos do trabalho forçado recebem atendimento psicossocial da própria equipe do projeto.

Desde o ano passado o projeto também desenvolve a iniciativa piloto de fortalecimento da comunidade Nossa Senhora do Chumbo, localizada a aproximadamente 100km de Cuiabá, no município de Poconé. Esta comunidade era origem de muitas vítimas de trabalho forçado. O Ação Integrada tem atuado com diversos parceiros no local para promover o aumento do conhecimento sobre direitos, organização social e iniciativas participativas de geração de renda, como forma de proteger a comunidade contra o trabalho forçado. Desde 2015, mais de 250 integrantes da comunidade foram beneficiados pelas ações desta iniciativa.

O Ação Integrada é desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-MT), pela SRTE-MT e pela UFMT, com apoio financeiro e de assistência técnica da Organização Internacional do Trabalho. Para mais informações sobre o projeto, acesse www.acaointegrada.org.

Por Marcio Camilo e Keka Werneck, com a edição de Juliana Mendes (Forest Comunicação).